Como mencionei no post de apresentação, uma das fontes das quais estou bebendo avidamente e que me estão estimulando intelectualmente a ponto de achar que tenho conteúdo para escrever algo são as leituras que tenho empreendido no período recente.
Uma delas é o livro “Primavera num espelho partido”, de Mário Benedetti. Esse livro foi escrito pelo autor uruguaio quando ele esteve no exílio durante a ditadura militar em seu país, e mistura capítulos de ficção lírica com elementos autobiográficos e relatos reais. Nessas passagens realistas, me surpreendi lendo um trecho que, por sua imensa sensibilidade e profundidade, abaixo transcrevo.
Porém, creio que para compreendê-lo em toda sua inteireza, é necessário primeiro contextualizar a citação. O trecho faz parte do discurso de Daniel Cámpora em 20/03/1981, quando da comemoração de sua libertação como preso político na ditadura militar uruguaia, em agradecimento à solidariedade dos que lutaram pela sua liberdade, especialmente a comunidade da escola de Holweide, em Colônia – Alemanha, onde seus três filhos estudaram durante o exílio, citado pelo livro de Benedetti.
“Tão, mas tão novo quanto pode ser o calor das pessoas voltadas para fora de si mesmas, das pessoas capazes de querer bem aos outros. Aqui também há muita grandeza nesta noite. Há a necessidade imperiosa de continuar fazendo, de continuar podendo. Porque vocês puderam. Puderam mais que a brutalidade de uma ditadura, mais que a obstinação e o ódio dos carcereiros, mais que a preguiça e a comodidade de uma vida para si mesmos. Vocês puderam e estou aqui como prova do poder de vocês. Prova, mas não medida. POIS NÃO HÁ MEDIDA QUE POSSA ABARCAR TUDO O QUE SE TORNA POSSÍVEL PARA PESSOAS QUE COMEÇARAM A PODER.”
Essa última frase do discurso de Daniel Cámpora me deixou extasiada. Vivemos tempos em que a esperança de dias melhores para o país e o mundo parecem apenas o eco de um sonho distante. No entanto, vamos olhar para a humanidade com olhos mais generosos? O trabalho coletivo em prol do bem comum foi capaz de reconstruir cidades destroçadas no pós-guerra, descobrir a cura do câncer, levar o homem ao espaço… será que apenas não nos falta “começar a poder?” Quando entendermos isso a nível de sociedade, não haverá limites para o poder coletivo e popular transformar a realidade que nos cerca. Eu acredito!